segunda-feira, 29 de setembro de 2008

No centenário de Machado de Assis

A atividade crítica de Machado de Assis foi a um só tempo curta e duradoura. Foi curta se considerarmos a pequena quantidade de artigos de que se compõe e o escasso intervalo em que foi concebida, entre 1858 e 1879. Mas foi extremamente duradoura quanto às implicações provocadas na posteridade pelas questões e temas abordados.
No dia em que se comemora o centenário de nascimento de nosso escritor maior, invoco a face talvez menos conhecida de sua obra: a de crítico literário. Autor de textos críticos até hoje importantes, como Instinto de nacionalidade, O ideal do crítico ou O passado, o futuro e o presente da literatura brasileira, Machado demonstrou estar atento aos problemas literáriros de seu tempo. Assim, não hesitou, por exemplo, em criticar os solecismos da linguagem comum, que considerava um defeito grave, e a forte influência da língua francesa. Em relação ao teatro, chegou a minúcias como a proposta que estabelecia regras sobre os direitos de representação e também a criação de impostos sobre as traduções, pois via com preocupação a enorme quantidade de peças francesas encenadas no Brasil de então.
Mas o aspecto central a considerar hoje é a crítica ao localismo pitoresco e ao falso instinto de nacionalidade, elementos que o autor de Dom Casmurro identificou na literatura de seu tempo. Amparado no desejo de criar uma literatura mais independente dos modelos europeus, em 1873, Machado de Assis insta seus contemporâneos a repensar o legado estético do Arcadismo e o predomínio dos temas indianistas. Basílio da Gama e Santa Rita Durão são os principais objetos de crítica, pois não souberam se desligar da matriz árcade. “Admira-se-lhes o talento, mas não se lhes perdoa o cajado e a pastora”, escreve no artigo “Instinto de nacionalidade”. Para Machado de Assis, indianismo não era representativo da totalidade do universo ficcional brasileiro. Era, evidentemente, um legado reconhecido pelo crítico, mas não poderia continuar a ser a única fonte de inspiração. Volto ao tema.
M.S.V.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Blogs e prática de texto

Reproduzo a seguir trecho da reportagem “Laboratórios de criação”, de autoria da jornalista Karla Beraldo, publicada no Jornal da Cidade, de Bauru/SP, em 31 de agosto último. O tema é atual e dinâmico: blogs, literatura e prática de texto.
Uma coisa é certa: blogs não atualizados são páginas mortas. Entre as características intrínsecas dessa ferramenta virtual, a necessidade de atualização freqüente é a principal responsável pelos blogs serem considerados berços de futuros escritores.
Para o professor Mauro Souza Ventura, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru, escrever em um blog com assiduidade e regularidade pode ser o primeiro, ou um importante passo, na trajetória de um escritor. “O blog tem uma característica fundamental: a gente precisa escrever. E o exercício textual, que se faz presente e necessário, faz dos blogs uma espécie de laboratório de escrita e criação”, acredita.
Para o professor, o maior desafio do blogueiro é, justamente, conseguir atualizar a sua página. “E para quem escreve, essa prática cotidiana é importantíssima”, completa.“O blog tem muita essa idéia de ser um diário mesmo.
Se não tivermos um texto pronto para postar, vamos tentar escrever, o que acaba sendo uma oficina”, diz o estudante de letras Thiago Augusto Côrrea, 23 anos, responsável, ao lado de mais três amigos, por “alimentar” um blog literário - “Quatro Patacas” - a cada dois dias.
Para Alê Félix, proprietária da editora Gênese, a Internet tem plenas condições de atuar como uma importante mola propulsora para os escritores. “Abrir um blog, aprender a escrever despretensiosamente, interagir com os leitores por meio dos comentários, são todos caminhos para tornar um bom escritor conhecido”, considera.
Félix, que também assina um blog - www.alefe lix.com.br -, é uma das idealizadoras do projeto “Blog de Papel”. Segundo material de divulgação, o livro, lançado em 2005, é uma tentativa de mostrar no papel - como o próprio nome diz - um pouco do que os ilustres desconhecidos estão aprontando na Internet.
O resultado foi a reunião de 14 textos de autores que gostam de escrever e 14 ilustrações de artistas que utilizam os blogs como meio de divulgar seus trabalhos.Para a empresária, o diversificado leque de possibilidades oferecido pelos blogs faz com que os usuários tenham em mãos mais do que um laboratório.
“Você pode publicar de livros a pequenos textos, testar novos formatos. Um blog pode se tornar o seu livro, sua vitrine, seu ponto de venda. Para uma mente criativa e empreendedora, basta navegar e começar a escrever”, acredita. Alguns defendem, porém, que a “onda” de escritores descobertos pela Internet, como foram João Paulo Cuenca, Clarah Averbuck, Daniel Galera e agora Vanessa Bárbara, está cada vez mais difícil, por conta da grande proliferação dos blogs.
Para se ter uma idéia, de acordo com pesquisas divulgadas na própria rede, estima-se que 175 mil novos blogs sejam criados a cada dia no mundo. “Não só o próprio blog como as outras ferramentas da Internet já provaram que são capazes de mostrar novos talentos que a ‘indústria’ não vê.
Mas há poucos autores que conheço que saíram do blog para o livro”, lembra o estudante Corrêa. Para ele, o processo de criação, muitas vezes diário, e o grande número de leitores que se conquista via web são muito importantes, mas “entre sentar de frente de um PC para escrever um livro e ser publicado por uma editora, vai um longo caminho”, avalia, consciente.
Na Cosac Naify, editora pela qual Vanessa Bárbara lançou “O Livro Amarelo do Terminal”, não existe um mecanismo nem um setor responsável pela caça de novos talentos. Segundo Cassiano Elek Machado, diretor editorial da Cosac Naify, Vanessa, a dona do “Hortaliça”, uma espécie de franzine publicado na Internet, é o único caso de um escritor descoberto na web existente na editora.
Entretanto, para Machado, os blogs já foram, e ainda são, embora em menor escala, importantes ferramentas para os escritores no mundo atual. “Por conta de duas finalidades: para que os autores divulguem seus trabalhos e, sobretudo, para que eles consigam fazer de sua prática um trabalho conhecido”, finaliza.