domingo, 10 de agosto de 2008

Karadzik, o genocida que escrevia poemas

Dos comentários que li sobre a prisão de Radovan Karadzic, o ex-líder sérvio que comandou a limpeza étnica na guerra dos Bálcãs, chamou-me a atenção o artigo de Slavoj Zizek (FSP, 27/7/08, Mais!, p.10). O filósofo esloveno explorou o lado menos conhecido da personalidade de Karadzik: o genocida foi também poeta. Assim, segundo Zizek, a poesia do ex-lider sérvio “não deve ser simplesmente descartada como ridícula – merece ser lida com atenção pois oferece uma pista para a compreensão de como funciona uma limpeza étnica”.
Após citar trechos de poemas publicados por Karadzik, Zizek afirma que as atrocidades cometidas pelos soldados sérvios a mando do ex-lider foram na verdade a continuação (ou a materialização) de sua própria poesia, repleta de imagens que remetem ao chamado do superego e a um hedonismo sem limites.
Em seguida, responsabiliza os poetas da ex-Iuguslávia que, entre os anos 1970 e 1980, “começaram a espalhar as sementes do nacionalismo agressivo não apenas na Sérvia, mas também em outras repúblicas pós-iuguslavas”.
Pode-se argumentar que Karadzic foi um poeta menor, e que o filtro da história se encarregará de sepultar esses versos nacionalistas, permeados de retórica política.
Zizek, porém, não se contenta com esse argumento, preferindo dar razão a Platão em sua declaração de que os poetas deveriam ser expulsos da cidade. “A julgar por essa experiência pós-iuguslava, em que a limpeza étnica foi preparada pelos sonhos perigosos de poetas, é um conselho bastante sensato”, escreve.
Então, pergunto: Até que ponto a poesia de Karadzik foi de fato difundida entre os leitores iuguslavos? Há muito tempo que a literatura -- e ainda mais a poesia! -- não é capaz de mobilizar corações e mentes. Não vivemos mais numa república das letras. Portanto, a relação entre poesia e barbárie, invocada por Zizek, talvez não se sustente nesses termos.
Um questão, porém, não deixa de pedir explicação: o responsável por uma limpeza étnica tem o hábito de escrever poemas. E mais: sob pseudônimo, era colunista de uma revista chamada “Vida Saudável”. Pode um assassino escrever um bom poema?
M.S.V.

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