Entre todos os gêneros de escrita, a crônica talvez seja o mais livre e, ao mesmo tempo, mais difícil de ser definido. E isto se deve, creio, à amplitude estilística e temática que a caracterizam.
Na imprensa brasileira, por exemplo, tudo aquilo que é publicado sob a rubrica de crônica acaba se incorporando a esse caldeirão de estilos em que cabe tudo, ou quase.
O escritor e jornalista Carlos Heitor Cony, por exemplo, classifica de crônica todos os seus escritos jornalísticos. Onde quer que escreva e sobre o assunto que for, será sempre crônica, costuma repetir em suas entrevistas.
No Brasil, a crônica é praticada desde o início de nossa literatura. Há quem diga que se trata de um gênero tipicamente brasileiro, assim como o ensaio é identificado como um gênero tipicamente inglês.
É evidente que não somos os únicos a escrever crônica e nem o ensaio é exclusividade dos praticantes do idioma de Shakespeare. São apenas associações entre estilo e cultura.Iniciei com uma referência à amplitude estilística e temática da crônica. Vejamos como isso funciona.
Machado de Assis, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Rubem Braga: todos pertencem ao primeiro time da literatura brasileira e todos escreveram crônica durante a vida, muitas vezes até para ganhar o sustento. E ao fazê-lo, cada um deles imprimiu seu próprio estilo ao gênero.
Tanto é que quando falamos do Machado cronista, logo pensamos na política brasileira na época do Segundo Reinado. Mário de Andrade e Manuel Bandeira escreveram crônicas mais ligadas a aspectos históricos e culturais, enquanto Drummond imprimia poesia em seus textos para jornal.
Dos citados, Rubem Braga tem uma particularidade: sua obra maior é a crônica e a ela dedicou todo o seu talento criativo. Por isso a crítica o considera o maior cronista da literatura. São antológicas as páginas de “O conde e o passarinho”, “A borboleta amarela” ou “Ai de ti, Copacabana”, só pra ficar em três exemplos magistrais.
Pano rápido para a atualidade: Luís Fernando Veríssimo, Arnaldo Jabor, Zuenir Ventura, Contardo Calligaris e o já citado Carlos Heitor Cony. De novo temos cinco estilos e temáticas diferenciadas. Humor, comportamento, política, cotidiano, conflitos existenciais. Não há limites para a crônica, ainda que seu ponto de partida seja quase sempre o episódico, a atualidade, a vida ao rés-do-chão.
Mas o desafio maior de todo cronista está em ultrapassar esse elemento episódico que a inspirou e falar de perto ao leitor, sempre naquele tom de despretensão e oralidade que torna a crônica um gênero tão peculiar.
Como lembra o crítico Antonio Candido, nenhuma literatura se sustenta apenas com cronistas. Mas, penso eu, nenhuma literatura e nenhum jornalismo podem prescindir do olhar irônico, poético e sorrateiro do cronista, que sabe como poucos fisgar o leitor.
Prof. Mauro