quarta-feira, 11 de julho de 2007

Memória social na era digital

“No dia em que a British Pathe colocou todo o seu arquivo na World Wide Web foi dado mais um importante passo no sentido da afirmação da Internet como memória coletiva da Humanidade” (CANAVILHAS, 2004. P. 1). A empresa que era responsável pelo Pathe Gazette, com transmissões de boletins informativos antes dos filmes nos cinemas, acumulou cerca de cem mil histórias até 1970, quando encerrou suas atividades. Todo o acervo foi disponibilizado na web, em 19 de novembro de 2002, e contou com 15 mil acessos apenas nas primeiras quatro horas de existência do site (http://www.britishpathe.com/). E esta é somente a ponta do iceberg de possibilidades latentes nos aparatos digitais associados aos mecanismos de navegação virtual.

Na verdade, o processo de compartilhamento de informações e a criação de esquemas e programas de armazenamento e memória são decorrentes de um processo que vem desde a passagem da oralidade à escrita, quando “a memória começa a exteriorizar-se e a autonomizar-se do homem, materializando-se em suportes manuscritos e inscrições em monumentos” (CANAVILHAS, 2004. P. 5). Torna-se possível inscrever a memória em meios materiais e seu potencial coletivo começa a ser explorado, dado o momento em que é disponibilizada para além do córtex cerebral de um único indivíduo. Mónica Nunes indica que “o arquivo, inegavelmente, representa o conhecimento que está organizado em memórias fora do corpo do homem em forma de técnicas e tecnologias” (NUNES, 2001. P. 21).

E foi com o advento da internet e a digitalização do hipertexto que os caminhos da memória e do armazenamento de informações acabaram por romper com as barreiras impostas ao acesso coletivo. Se antes a busca pela informação exigia a presença física numa biblioteca, por exemplo, agora “com o nascimento da internet” as facilidades de acesso à informação foram ampliadas exponencialmente, uma vez que “[a internet] rebate em simultâneo as barreiras do espaço e do tempo”. Bibliotecas (http://www.bn.br/site/default.htm), sites de disponibilização de arquivos digitais, blogs, fotologs, enciclopédias digitais, entre tantos outros recursos e modelos de arquivamento e disponibilização de informação vêm contribuir para a reconfiguração das relações humanas com o tempo, o espaço e suas interações sociais. “Este manancial de informação representa uma memória social, dinâmica, organizada e navegável” (CANAVILHAS, 2004. P. 5).

As novas perspectivas do jornalismo digital

O modelo de webjornalismo ainda guarda muita semelhança com o jornal impresso, no entanto a partir da formação dos Bancos de Dados os produtos digitais têm conseguido diferenciar-se. Surgidos na década de 70, como uma ferramenta para o trabalho jornalístico, os bancos de dados auxiliaram a produção de matérias e reportagens, contribuindo para um melhor contexto e aprofundamento das mesmas, na dita “era digital” são os bancos de dados que garantem “a especificidade do jornalismo digital em relação às modalidades tradicionais, e é percebido mesmo como um novo formato para o jornalismo digital” (HALL, 2001; FIDALGO, 2003; MACHADO, 2004).

As dificuldades de acesso e publicação de conteúdos no espaço virtual, bem como a fase de adaptação e familiaridade em relação aos computadores já chegou a um nível bastante avançado. Isso permite que o jornalismo experimente novos formatos de narrativa e crie produtos inusitados. Nesse sentido os Bancos de Dados tem função primordial, pois além de serem uma coleção de dados estruturados ou uma série de informações relacionadas entre si, como analisa Guimarães (2003), atualmente eles armazenam imagens, gráficos, objetos multimídia, tais como som e vídeo.

Outro avanço em relação aos bancos de dados consiste em sua integração com outras linguagens como Java, XML, que os permite funcionar de maneira descentralizada. “As arquiteturas de bases de dados têm se tornado veículos para entrega de aplicações integradas para serem nós ricos de dados da internet, para a descoberta do dado e para serem auto-gerenciávies” (BARBOSA, 2004). Nesse sentido, os bancos de dados são muito mais do que uma noção de “coleção” de informações rápidas a serem coletadas, mas sim uma nova forma cultural simbólica, um novo modo de estruturar a experiência humana. Isso explica o potencial para transformar o jornalismo digital, diferenciando de vez do modelo de jornal impresso.

Para Barbosa (2004) a adoção dos bancos de dados favorece a inovação, o que permite ao jornalista explorar novos gêneros, oferecer conteúdos mais diversificados e, principalmente, produzir de maneira descentralizada. Elias Machado (2004) acredita que os bancos de dados desempenham três funções importantes: 1) de formato e estruturação da informação; 2) de suporte para modelos de narrativa multimídia; 3) de memória dos conteúdos publicados. Por tudo isso, o autor os considera como um formato no jornalismo digital.

O uso do banco de dados em conjunto com recursos multimídias, hipertexto e interatividade operam para uma diversificação de conteúdo. Além disso, o reaproveitamento do material armazenado contribui para a construção de novas narrativas. “O uso das bases de dados aliado à melhor implementação dos recursos característicos do webjornalismo, é capaz de conduzir exploração de novas tematizações, com potencial para originar novos gêneros ou híbridos entre gêneros, assim como remediações em relação aos gêneros jornalísticos tradicionais” (BARBOSA, 2004).

A função de documentação e memória que cabe aos bancos de dados ganha, ainda mais, importância ao se pensar na facilidade de acesso, no alcance da linguagem utilizada, no baixo custo de armazenamento e, sobretudo, na possibilidade de democratização no uso das informações. O emprego dos bancos de dados se explorado em toda sua potencialidade pode promover mudanças significativas no jornalismo digital, tornando-o inovador e inteligente.

Hipertexto: uma porta, vários corredores

Para um mundo globalizado pelas relatividades de tempo e espaço, propiciadas com a popularização dos computadores e com o advento da Internet, o hipertexto tornou-se um recurso bastante comum, mas nem por isso desmistificado. A informação, em última instância bem material contemporâneo de maior valor, fez expandir a utilização dos recursos infográficos e das tecnologias com potencial midiático. O hipertexto popularizou-se como ferramenta de pesquisa, troca, apreensão, objetivação e expansão da informação. Mas afinal, o que é hipertexto?

A pesquisadora Maria Clara Aquino, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sinaliza de maneira simples que o “hipertexto é um conjunto de nós ligados por conexões”, os links. “O hipertexto configura-se exatamente como a quantidade infinita de links com os quais nos deparamos hoje nas páginas Web. (...) Navegar em um hipertexto significa, portanto, desenhar um percurso em uma rede que pode ser tão complicada quanto possível”. (AQUINO, 2006. P. 1). Na verdade, como aponta a pesquisadora, o hipertexto remonta a tempos remotos e foi sempre utilizado como ferramenta de armazenamento e posterior exploração de informações.

A idéia de hipertexto não é de hoje, nem surgiu com o advento da Internet, ela vem desde os séculos XVI e XVII com as chamadas marginalia. Estas seriam como índices pessoais, citações de textos, remissões a outras partes ou outros textos feitas pelos leitores dos livros da época, anotadas nos cantos das páginas destes e depois transferidas para um caderno de “lugares comuns”, para que posteriormente pudessem ser consultadas . (AQUINO, 2006. P. 2)

Percebe-se historicamente, então, que o hipertexto foi sempre um meio eficaz no acúmulo, armazenamento e acesso a informações complementares. E, apesar da possibilidade de reconhecimento de manifestações desse recurso em outros tempos e suportes, há que considerar o upgrade trazido pelos aparatos digitais.

Dessa forma, hoje em dia a possibilidade de armazenamento de dados de forma digital assume um papel importantíssimo na tarefa de preservação do conhecimento adquirido. Dentro desse panorama, o hipertexto acaba possibilitando, além do armazenamento digital, a interconexão entre as informações, permitindo assim, cada vez mais, a produção de novos dados e contribuindo para a evolução da humanidade. (AQUINO, 2006. P. 2)

É verdade que muitas são as críticas e questionamentos sobre o potencial coletivo existente (ou não) no hipertexto digital. Mas, embora as experiências até aqui vivenciadas não tenham atendido completamente às expectativas de democratização da produção e do acesso à informação, cabe ressaltar a relevância do hipertexto como mecanismo de armazenamento de informação, com facilidades de utilização e expansão do conhecimento humano, rompendo os limites impostos pela geografia e pelas leis do tempo.

Os (des) caminhos do hipertexto eletrônico

O hipertexto se configura, cada vez mais, como uma ferramenta fundamental quando se pensa em jornalismo digital. Por possuir uma estrutura não-linear permite a formação de uma ampla rede de significantes, acessível por várias entradas sem que nenhuma delas constitua-se como principal. Essas características do hipertexto o colocam próximo ao modelo pós-estruturalista, que destaca o papel da língua e da textualidade na construção da nossa identidade e realidade enquanto leitores, reconceitualizando a relação entre autor e leitor.

Um sistema hipertextual pode, ainda, ser comparado ao sistema associativo do cérebro humano, pois sua construção tem por base a memória humana. Por meio da rede semântica são produzidas associações que funcionam como diretrizes para um sistema aberto, em que o absorvido pelo exterior entra em contato com a memória humana. Essa fusão é constantemente modificada por “upgrades” na nossa “base de dados”. A primeira vista essa construção pode ser associada a uma anarquia labiríntica, mas o fato é que esta forma insere-se num novo paradigma que demanda outras ferramentas de trabalho e é mais avançado tecnologicamente.

Esta nova forma de circulação textual desconstruiu a antiga noção de autor/leitor, sobretudo pelo fato do hipertexto apresentar links, que permitem ao leitor iniciar a leitura no lugar em que bem entender e, em questão de segundos, ser levado a outros pontos do texto, com o simples “click” do mouse. “Autor e leitor, por exemplo, são dois conceitos que sofrem uma grande mudança, diluindo-se. Assim sendo, quem escreve e quem lê passam a ser duas faces de uma mesma moeda” (CORDEIRO, 2004). Com a possibilidade de abertura para novas janelas o leitor pode entrar em contato com outros textos. Essa peculiaridade do texto eletrônico retira a autonomia do texto principal relativamente às suas fontes e aos seus intertextos. Nesse sentido, o hipertexto acumula um potencial imenso de informações, constituindo-se numa verdadeira memória virtual. A intenção provocada pelo hipertexto é a de tornar o leitor um produtor do texto, não apenas consumidor.

As inovações trazidas pela “era digital” contribuem para uma nova teoria do texto, propiciando o surgimento de novos gêneros literários. O hipertexto é antes de tudo uma possibilidade de criação, um experimentalismo literário.

Lara Alcadipani e Xênya Aguiar

Nenhum comentário: