Bruno Espinoza
Juliana Sayuri Ogassawara
Podemos avaliar as possibilidades de comunicação via internet no âmbito de estudos acadêmicos no Congreso Online do Observatorio para la CiberSociedad. O congresso online, essa ferramenta utilizada para a interação entre os pesquisadores, corrobora para reproduzir a comunicação unilateral entre academias no advento da internet? Além disso, a intenção do compartilhamento da informação do evento, de fato, colabora para a formação de uma sociedade “livre”, tendo em vista o fator da exclusão digital?
O CONGRESSO
No presente artigo, focaliza-se a linha editorial do OCS, considerando que ao propor “conhecimento aberto e sociedade livre” para a atual cibercultura articulam-se interrogações acerca do contexto de globalização contemporânea, do modelo de hipertexto e da perspectiva da internet como memória. É preciso ainda pôr em relevo a exclusão digital como obstáculo para que se confirme uma sociedade “livre”, mais igualitária e autônoma.
Apesar da questão de acesso ao universo digital continuar como um tópico primordial para o OCS, os pontos “para quê?” e “para quem?” protagonizaram o último congresso realizado. Tendo em vista que a cibersociedade se expande constantemente, perfila-se o foco: “Qual é a cibersociedade que queremos?”
[ii]. Diante do acúmulo de questões abertas a partir deste núcleo, o OCS pretende possibilitar um espaço para o diálogo: “El ciberespacio no es un lugar limitado, sino por el contrario, un espacio en movimiento constante para la interrelación, la interconexión, la sinergia y, por que no, también la confusión”
[iii].
Na dimensão teórica, vale destacar que se analisa a Internet de acordo com o viés de Steven Johnson. A metáfora do
“tumor cerebral” se ajusta às controvérsias do fenômeno da internet: um campo organizado, genialmente conectado, como um cérebro humano e, simultaneamente, um abscesso crítico e anárquico
[iv].
O CONTEXTO
É imprescindível ao debate sobre um congresso on-line, isto é, sobre um evento que se apóia na comunicação via rede mundial de computadores, constatar quais predisposições técnicas, econômicas e sócio-culturais favoreceram a sua implementação. Como bem observou Maria Clara Aquino, apoiada nas elaborações de Castells, as novas ferramentas propulsoras da cibercultura se desenvolveram na intensificação de um processo histórico que é designado por um termo já desgastado pelo uso, mas ainda constante: a globalização.
Entende-se que tal intensificação se examina com a franca ascensão das inter-relações em âmbitos que se conectam (sociais, cultuais, econômicos) concretizadas por diversos atores sociais (Estado, sociedade, mercados). Porém, o aspecto que mais nos importa é a alternância histórica do alicerce do sistema produtivo que, se outrora correspondia ao acúmulo do excedente produzido, atualmente se embasa na valorização de um produto pouco palpável. “A economia mundial guia-se sob as rédeas de uma nova mercadoria: a informação; e a comunicação medida por computador, além de influenciar o andamento do mercado mundial, possibilita a entrada nesta nova morfologia social”
[i].
Essa “nova morfologia social” foi possibilitada por uma revolução tecnológica que “concentrada nas tecnologias da informação começou a remodelar a base material da sociedade em ritmo acelerado”
[ii]. Indo além, diríamos que o ritmo acelerado dessa remodelação atingiu não somente a mercadoria na nova economia global. Na esteira da interferência histórica do sistema produtivo – que não é outro, senão o capitalista - nas relações sociais, a revolução tecnológica que celebra o processamento da informação infiltrou-se nas esferas mais particulares da sociedade, levando Maria Clara Aquino, na crença da coletividade privilegiada pela “sociedade da informação”, entusiasmar-se com a própria ascensão da Web:
"A Web é cada vez mais o espaço de representação de coletividade, na medida em que abriga as mais diversas manifestações de cooperação entre os usuários: sites de relacionamento, fóruns de discussão, chats, comunidades virtuais, blogs, fotologs, são apenas alguns dos exemplos que atestam o caráter de cooperação presente na Web. Movimentos como o do cyberpunk, o do software livre, a questão da música eletrônica e a difusão do mp3, jornalismo open source, etc, etc, etc"
[iii].
Em contrapartida, se a Web fomenta o “espaço de representação da coletividade”, a partir das “manifestações de cooperação entre usuários”, a relação entre a rede, um instrumentalismo universal abstrato, e o ser, identidade particularista historicamente, não é vista com tanto entusiasmo por Manuel Castells:
"Nesta condição de esquizofrenia estrutural entre a função e o significado, os padrões de comunicação social ficam sob tensão crescente. Quando a comunicação se rompe, quando já não existe comunicação nem mesmo de forma conflituosa (como seria o caso de lutas sociais ou oposição política), surge uma alienação entre os grupos sociais e indivíduos que passa a considerar o outro um estranho, finalmente uma ameaça. Nesse processo, a fragmentação social se propaga, à medida em que as identidades se tornam mais específicas e cada vez mais difíceis de compartilhar"
[iv].
Esta é a primeira contradição do movimento histórico guiado pela
sociedade da informação: de um lado, a possibilidade de cooperação entre os usuários; de outro, a vasta possibilidade de identidades no ciberespaço que modelam seres, ou usuários, incomunicáveis.
Outro aspecto da ampliação da rede é a difusão das ferramentas informacionais. Fundamentados em números de acessos e aumento da interatividade on-line, entusiastas da democratização do conhecimento através do processamento da informação afirmam que:
"Levando em conta que no cenário da sociedade contemporânea ou na cibercultura as TICs já alcançaram um alto grau de difusão, a fase de adaptação e familiaridade em relação aos dispositivos e às diferentes formas de se publicar e acessar conteúdos por meio da internet foi vencida, encontrando-se num estágio consolidado para boa parte dos usuários"
[v].
Interessa destacar “estágio consolidado para boa parte dos usuários”. Como se afirmou anteriormente, o sistema produtivo capitalista se projetou ao deslocar o privilégio do excedente para a primazia da informação. Um deslocamento, vale ressaltar, que também visa agregar valor a informação, originando o chamado capital-informação. Este projeto, se pretendia democracia,
"[...] poderá morrer, na medida em que as redes, crescentemente interativas, sirvam fundamentalmente ao transporte da informação que interesse à acumulação capitalista. A interatividade, então, longe de vir a ser uma prática real de democracia, não passará de um ato de escolha plebiscitária entre as opções oferecidas pelo “mercado”, logo valorizadas pelo capital"
[vi].
Tendo em vista o percurso de natureza excludente da antiga produtividade calcada no excedente produtivo, não é de se estranhar que o acúmulo do capital-informação acentuará não somente a tensão entre a rede e o ser de Castells, mas também a tão em voga exclusão digital. Afinal, a formulação de estratégias empresariais lucrativas na Web, ou simplesmente a reprodução destas estratégias “não buscam, de fato, a propriedade física das redes. Basta-lhes poder controlá-las logicamente”
[vii], o que fundamenta a lógica do capital-informação. Apesar das inovações da microeletrônica, as infovias ou redes digitais, os espaços abertos não estão abertas para todos.
[i] AQUINO, 2006.
[ii] CASTELLS, 2002, p. 39.
[iii] AQUINO, op cit.
[iv] CASTELLS, op. cit., p. 41.
[v] BARBOSA, 2004, p. 3.
[vi] DANTAS, 1995, p. 54-55.
[vii] Id., p. 45-46.
OS NÓS DO Observatorio para la CiberSociedad
O marco inicial desta experiência em rede data de setembro de 2002, com o I Congreso Online del Observatório para la CiberSociedad: Cultura y Política @ Ciberespacio. A temática da cibersociedade reunira cerca de setecentos participantes de todos os países que têm o espanhol como língua oficial. Após o encontro na internet, restaram aos participantes os compromissos em difundir esse pensamento a propósito de uma cibersociedade em um
Manifiesto por el ejercicio de uma ciberciudadanía activa, responsable y comprometida.
"Debido al éxito obtenido en aquel primer Congreso y al reconocimiento institucional y académico conseguido con estos logros, el OCS percibió la necesidad del propio medio por tener un espacio permanente de estas características"
[i].
A continuidade desse pensamento se dera em novembro de 2004, com o
II Congreso Online: ¿Hacia qué sociedad del Conocimiento? Desta vez, quatro mil participantes compareceram à edição do encontro, entre acadêmicos, empresários e autônomos, instituições e entidades públicas. A partir daí inicia-se “a idéia de consolidação do OCS como catalisador no fomento e dinamização do estudo e da reflexão ativa sobre a cibersociedade”
[ii].
Considerando o contexto de “midiamorfose”, no qual as tecnologias de informação e comunicação (TICs) alcançaram um nível considerado como “ordinário” devido à ampla utilização na vida cotidiana
[iii], no ano passado, o
III Congreso Online: Conocimiento abierto, Sociedad libre apresentou como proposta editorial:
"Se trata de algo transversal y estratégico. Las TIC son herramientas, medios y espacios de capacitación, por lo que no constituyen un bien o un objetivo en sí mismas, sino un potente acelerador social y económico/laboral; individual y colectivo. Por ello, el interés generalizado en la universalización del uso de estas tecnologías nace del presupuesto de que si contamos con un conocimiento abierto, o un acceso al conocimiento sin restricciones ni obstáculos, quizá alcancemos unas sociedades más igualitarias, autónomas y capacitadas. En definitiva, una sociedad más libre"
[iv].
Uma particularidade deste congresso bianual está em seu caráter “colaborativo”, de acordo com o qual, o OCS convida a todos – indivíduos, grupos, entidades, universidades e empresas – que queiram participar deste debate em rede. Os interessados puderam participar como congressistas, apresentar artigos acadêmicos como comunicante, auxiliar mediante o Comitê de organização ou atuar como coordenador de um grupo de trabalho (GT). As inscrições foram gratuitas e permitiam aos participantes de todos os níveis intervir nos fóruns e acessar todos as matérias. Os visitantes, por sua vez, podiam – e ainda podem – visitar as páginas livremente, apesar de não poderem usar as ferramentas destinadas à interação. Também podemos sublinhar o patrocínio indicado na home do OCS: Diputació de Barcelona
[v], Xunta de Galícia
[vi], Ajuntament de Cornella de Llobregat
[vii], Secretaria de Telecomunicación Societat de la Información
[viii] e Plan Avanza
[ix].
A temática do congresso enfocou cinco grandes eixos temáticos, a saber: Política e mudança social; Identidade e grupos sociais; Comunicação e cultura; Educação e aprendizado; Crítica e inovação. Para sua estrutura técnica, o congresso contou com uma base similar a de demais encontros cibernéticos, constando ferramentas como perfis, fóruns, listas de discussão, notícias,
chats, grupos etc. Os eixos temáticos são os principais vínculos estruturados pelo OCS, a espinha dorsal desse hiperdocumento. Apesar da ordem devidamente segmentada no sítio OCS, há lacunas para uma “desordem” de nós que nos possibilita designá-lo como um hipertexto, visto que:
"Tecnicamente, um hipertexto é um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos, seqüências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertextos. [...] Navegar em um hipertexto significa portanto desenhar um percurso em uma rede que pode ser tão complicada quanto possível. Porque cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira"
[x].
Há possibilidades mil para se traçar um caminho no “labirinto” do OCS. Um artigo acadêmico pode se relacionar com artigos de diferentes GTs, encaminhando o leitor a um amplo leque de possibilidades de texto. Além disso, a plataforma do
Observatorio também autoriza o
feedback para o autor do texto. Destarte, o formato deste hipertexto, de acordo com as classes propostas por Alex Primo
[xi], seria o de hipertexto cooperativo:
"Este tipo de hipertexto [...] remete à questão da construção coletiva, pois o hipertexto é construído através do debate entre autor e usuário da página. Assim, a discussão contínua é responsável por modificar a trilha de associações a medida em que é construída, tanto por usuário quanto por programador"
[xii].
Predomina, portanto, o caráter interativo no hipertexto. Esta é uma característica que reitera as pretensões editoriais do congresso: ser um espaço plural, aberto ao diálogo e em movimento constante para a inter-relação e a sinergia. Nesse campo, o leitor atua como um editor potencial uma vez que pode ler, adicionar notas e republicar um documento, respeitando, porém e sempre, os direitos autorais do congressista.
O arquivo de documentos acadêmicos em formato
Hypertext Markup Language (HTML) confirma uma tendência em armazenamento de informação, visto que em 2001 dois terços das revistas científicas migraram para o formato digital. As novas revistas criaram formas alternativas para publicação, como “é o modelo de disseminação do conhecimento em acesso aberto, isto é, o fluxo livre da informação científica”
[xiii]. O formato digital proporciona benefícios como custos reduzidos, maior acessibilidade ao
commons científico, maior visibilidade para os artigos, maior velocidade na dinâmica de descobertas científicas e:
"Ao redor desse novo modelo, tem se intensificado o movimento social de Acesso Aberto. Sua mola propulsora não foi apenas a Internet, mas também o desejo dos cientistas de fazerem uso das possibilidades novas de disseminação do seu trabalho através das tecnologias oferecidas pelo advento e desenvolvimento da Internet"
[xiv].
Sob esse prisma, a internet como memória assume um papel importantíssimo. Além de armazenar conhecimentos adquiridos, ela amplia a comunicação entre informações e indivíduos, o que facilita, cada vez mais, a produção de novos saberes. Manuel Castells assinala que na sociedade em rede,
"No novo modo informacional de desenvolvimento, a fonte de produtividade acha-se na tecnologia de geração de conhecimentos, de processamento da informação e de comunicação de símbolos. Na verdade, conhecimento e informação são elementos cruciais em todos os modos de desenvolvimento, visto que o processo produtivo sempre se baseia em algum grau de conhecimento e no processamento da informação"
[xv].
[i] www.cibersociedad.net
[ii] Ibid.
[iii] GRAHAM, 2004; HERRING, 2004; LIEVROUW, 2004 apud BARBOSA, op cit., p. 2-3.
[iv] www.cibersociedad.net.
[v] diba
PONTUAÇÕES
Nesse cenário, é válido pôr em tela o OCS (suas características, contradições, críticas) na cibersociedade analisada sob a perspectiva teórica exposta. Nesta análise, examinam-se duas questões problemáticas.
O primeiro ponto se situa em formular uma crítica à faceta restritiva do congresso, visto que as portas estão abertas, mas nem tanto. Visitantes comuns podem espiar os textos, até copiá-los e recomendá-los a amigos. Entretanto, apenas os participantes devidamente inscritos possuem o direito de opinar no site, de publicar comentários e respostas. A área continua restrita por portas que pedem
login e senhas. Em seguida, e ainda nesta linha de raciocínio, é válido lembrar que a rede, inicialmente em 1969, se destinava tão-só para interligar laboratórios, centros de pesquisa e universidades. O uso comercial fora liberado só a partir de 1987 nos Estados Unidos
[i]. Todavia, será que o domínio da rede para fins como o visado pelo OCS continua acantonado à academia? Isso não contraria o estandarte de conhecimento aberto para todos? Logo, como poderia conciliar a teoria do OCS à pragmática da net? Afinal, enquanto laboratório intelectual, o OCS deveria expandir seus saberes à imensidão da rede?
[i] Cf. BRETON, 1991 e NEGROPONTE, 1995.
Como diz o
Observatorio para la CiberSociedad, “o ápice da participação democrática se dá quando o conhecimento é adquirível, isto é, quando se cumpre com o ideal da sociedade da informação”
[i]. Tal como idealizava o marxista Bertold Brecht “que propunha aproveitar as tecnologias de informação como infra-estrutura da esfera pública democrática”
[ii]. À época de Brecht, esse ideário fracassou principalmente porque os Estados Unidos liberaram os monopólios de telecomunicações. E na atualidade?
Os otimistas da cibercultura vibram com o surgimento das ferramentas que procuram possibilitar a participação ativa do usuário na construção do conhecimento. Os mais pessimistas ainda temem uma entropia de informações, um caos informático e uma ausência de certeza quanto à veracidade dos que é vinculado na rede
[iii].
Oposto às aspirações do
Observatorio para la CiberSociedad, a perspectiva para o futuro que predomina aqui é a acreditada por De Landa: No futuro próximo da Web, a disputa se acirrará entre poderosas forças hierárquicas,
Aol Time Warner,
Yahoo!, Estados etc, e as forças descentralizadas, nós
[iv].
[ii] DANTAS, 1995, p. 54.
[iii] AQUINO, op. cit.
[iv] JOHNSON, 2003, p. 204-205.
AQUINO, Maria Clara. “Um resgate histórico do hipertexto”. In: Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, UNIrevista, vol. 1, n.° 3, julho de 2006. Disponível on-line em:
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